*** A ocidentalização do(s) mundo(s) privilegia a visão como sendo a mais importante das percepções. Tirou do universo do corpo a capacidade de tatear as delícias que nos contam as bocas, os gestos. Já nos dizia Virginia Woolf, em “Um quartosó seu” (assim como nos dizem muitas pensadoras feministas contemporâneas), que a cabeça não está separada do resto do corpo, como certos críticos e teóricos da Literatura querem nos fazer acreditar. Neste “Tudo que fiz fiz com esse corpo”, Mercuria nos apresenta, em um livro de estreia, poemas que, em suas lógicas, muito se afastam do debute; são sólidos, não como a tradição, que nos aliena de nós mesmes, mas como Pachamama Mércia, “seu corpo todo arredondado e fino/ uma estrutura de canyon”. Encontramos, aqui, a dissolução de estruturas que crucificam o corpo: a religião dos homens, a invenção do pecado original, a diferença marcada pelo adoecimento, a criação do gênero, a necessidade masoquista da destruição. O que prevalece, apesar da vontade de se evadir do próprio corpo— um movimento de ecdise que nos aproxima dos artrópodes, ofídios, crustáceos—, é a importância da raiva. Como já nos dizia Audre Lorde, em seu “Os usos da raiva”, sobre a importância de se afastar do medo da própria raiva, Mercuria, que cuida dela como um pedaço de si, tem muito para nos ensinar, apesar de nem tudo aqui ser uma lição, mas, antes, um incômodo: este, de caminhar pela Terra equilibrando os desejos e as imposições. Mariana Marino *** Em “Tu