Menos de duzentos anos após o surgimento do primeiro grande romance moderno – o Dom Quixote, de Miguel de Cervantes –, esse gênero literário ganharia um poderoso recurso: o roman à clef. Nascido nos salões literários franceses, ele consistia na introdução nas novelas de um personagem ficcional com características tomadas por empréstimo de alguém da sociedade, normalmente para expô-lo de forma satírica. O recurso foi logo “aprovado” e romances inteiros passaram a usar e abusar dele, por vezes com o próprio autor se integrando na trama. Na literatura do Brasil, essa forma de escrita é rara, e, por isso mesmo, é importante realçarmos sua utilização nesta obra de José Carlos Mello. Seu livro exemplifica o chamado paradoxo brasileiro: o ficcionista que tenta descrever o fantástico, mas que acaba retratando o cotidiano do país, no qual as criações mais absurdas perdem para a narrativa seca e objetiva da realidade. Na trama, em um primeiro momento, o narrador é o escriba ao qual encomendam um livro. Mais adiante, ele passa a ser um outro personagem, companheiro de uma aventura surreal, emérito romancista laureado com o Nobel, que se compraz em narrar o epílogo do livro. Texto erudito, porém, de fácil leitura, seus personagens parecem sair do noticiário diário, das colunas sociais e de política, sempre a caminho das policiais. Como, aliás, foi o que ocorreu com a maior parte deles. O fino humor de Mello jamais deixa passar a menor oportunidade de apontar o absurdo da vida política nacional. Neste livro, sua prosa está mais deleitável e fluida do que nunca. Aproveitem.
ISBN-10: 9786586690149ISBN-13: 9786586690149Páginas: 336Edição: 1a EDIÇÃO - 2022Data edição: 2022-08-08 00:00:00Autor: MELLO, JOSE CARLOS