Um jovem casal holandês decide mudar com as duas filhas pequenas para São Paulo e construir na metrópole uma “casa dos sonhos”. A partir desse enredo simples, Tomas Rosenfeld constrói uma trama irresistível, em que a sensibilidade e o olhar aguçado do autor sobre os relacionamentos pessoais não só despertam no leitor uma empatia para com os protagonistas, como o levam, também, a empreender, naturalmente, uma espécie de autoanálise. O que estou fazendo com minha vida? Aonde vou? Aonde vamos?
Embora jovem, Kees já dispõe de muito dinheiro, obtido com a venda de sua empresa. Mas o que poderia ser um trunfo se mostra, na verdade, uma armadilha. Karin, design de joias, não quer saber dessa fortuna. E cada um dos dois tem um passado a justificar os obstáculos que a empreitada - novo país, nova escola para as filhas, nova língua, novos dramas - encontra pelo caminho, conturbação que Rosenfeld introduz aos poucos, com maestria, sutilmente, lançando mão de uma delicadeza só alcançada por quem trata as palavras - e os personagens - como cristais.
Não há, aqui, nada de caricatural. A objetividade de Kees é turva; a subjetividade de Karin é concreta. Se o veterano e sábio arquiteto contratado pelo casal para projetar a bela casa à beira de uma represa surge como uma figura espiritual capaz de elevar e materializar o sonho, a visão sóbria, cáustica e realista do autor recusa a ideia do conto de fadas.
Alternando os narradores - ora Kees, ora Karin -, Rosenfeld arquiteta, aqui, um enredo marcado por encontros e desencontros, pela busca simultânea e utópica por liberdade e proteção. Seus cenários vão de um passeio turbulento à Amazônia à procura ansiosa de um terreno “ideal” para instaurar o “lar”, em um projeto literário que se alicerça, por sua vez, em reflexões de enfoque inesperado e olhar assumidamente contemporâneo sobre a relação com o dinheiro, os supostos papeis de pai e mãe, pais e filhos, avanços e recuos de um casal.
O vão livre do título, ao abrir possibilidades ilimitadas de interpretação, joga com o espaço vazio e ao mesmo tempo preenchido, expressando na escrita do autor aquilo que se quer, aquilo que se sonha junto ou separadamente, aquilo que se ergue na alegria - mas também aquilo que falta, aquilo que dói e fere, aquilo que enseja temor e dúvida. A vida real, enfim.
Bernardo Ajzenberg