Em sua primeira coletânea de poemas de exílio, Ovídio faz-se personagem da própria obra e se autorrepresenta como relegado. Expulso para os confins do Império, afastado da pátria e dos entes queridos, ele encontra na poesia um modo de permanecer em Roma e fixar sua imagem na tradição literária. Ao enviar à Urbe poemas em forma de carta, o poeta suspende momentaneamente o isolamento e, por meio da poesia, transforma a solidão em diálogo. Analogamente, este livro propõe o diálogo como modo de abordar a Antiguidade: diálogo entre áreas, ao relacionar os estudos clássicos com as contribuições da teoria da literatura e do pós-estruturalismo; diálogo entre tempos, ao mostrar que passado e presente se iluminam mutuamente; diálogo entre obras, ao destacar elementos de retomada intertextual na produção ovidiana. Enfim, diálogo com o outro, pois é na tensão imposta pela diferença que reconhecemos a nós mesmos e que nasce o aprendizado.
Os Tristia não constituem uma ruptura em relação às obras ovidianas pregressas. São antes a sua síntese, um epitáfio do poeta metaforicamente morto com o exílio, o registro de sua trajetória poética e de sua autobiografia literária. Ao instituir um “mito” da vida e do exílio, essa coletânea de elegias configura, já na Antiguidade, um tipo de literatura reflexiva que, no fazer literário, teoriza sobre si mesma e realiza crítica, num sofisticado processo de autorrecepção. Os Tristia constroem, assim, uma “teoria ovidiana da literatura”, fundada num diálogo erótico e metamórfico, no qual o autor se torna, simultaneamente, texto e leitor.
A tradução dos Tristia e sua análise teórica, publicados agora em dois volumes, compõem a tese de doutoramento de Júlia Batista Castilho de Avellar, que recebeu em 2020 a menção honrosa na ANPOLL e o Prêmio de teses da UFMG na área de Estudos Literários.