Reunião dos cordéis de Ferreira Gullar ressurge, em momento oportuno, como um alerta contra o saudosismo autoritário.
Romances de cordel reúne trabalhos de Ferreira Gullar criados especialmente no Centro de Cultura Popular (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE), nos anos 1960. São consequências de um convite feito pelo dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho – o Vianinha – para que Gullar participasse das iniciativas do CPC, àquela altura, um grupo recém-formado que aglutinou originalmente realizadores de teatro. A parceria com a UNE costurada por Vianinha, mais que promissora, também significou uma oportunidade única para que os artistas engajados na militância política pudessem colaborar em conjunto. Esse mergulho nas causas populares rendeu criações que marcaram para sempre a cultura brasileira, sendo este Romances de cordel a notação de seu braço literário.
A pedido de Vianinha, Gullar compôs João Boa-Morte cabra marcado para morrer, texto que, a princípio, seria adaptado para o teatro, mas acabou sendo publicado apenas em um folheto típico dos cordelistas. Assim também foi feito com Quem matou Aparecida?, que conta a história de uma mulher, moradora da extinta favela da Praia do Pinto, no Rio de Janeiro, que, em um ato de desespero, ateia fogo à própria roupa. Seguem-se, ainda, os cordéis Peleja de Zé Molesta com Tio Sam, uma engenhosa alegoria de denúncia da dominação cultural e política dos Estados Unidos sobre os países da América Latina, e História de um valente, que relata a prisão de Gregório Bezerra pela repressão política da ditadura civil-militar. Todas essas histórias ganham, aqui, nova edição em projeto gráfico refinado, acompanhadas pelas ilustrações do grande xilogravurista Ciro Fernandes – um dos nomes mais importantes das artes visuais no Brasil – feitas especialmente para estes cordéis que a Editora José Olympio publica com orgulho.
Este livro representa, portanto, não apenas a perpetuação da lira política de Ferreira Gullar, mas também presta devida reverência ao imaginário das lutas populares que se mantiveram perseverantes. Nos dias tumultuados que confirmaram o golpe de 1964, o CPC foi alvo de extremistas, que, na noite de 31 de março, atiraram a esmo contra a sede da UNE. No dia seguinte, Gullar, junto de Teresa Aragão, testemunhou a destruição completa do prédio. “Assistimos ao incêndio da sede da UNE por fanáticos que passavam por nós com as bombas e armas na mão. Se nos reconhecessem, teríamos sido linchados.” A tais atos de intolerância política, que pretendiam desarticular o CPC, Romances de cordel ressurge como um sobreaviso. Sua permanência celebra os ideias de justiça social que não esmorecem.