Imagine um mundo atravessado por buracos negros, impregnado por fantasmas estranhamente familiares e, ao mesmo tempo, crivado de ironias, no qual o visitante é recebido num universo paralelo que, não por acaso, é aqui mesmo. Em Robinson Crusoé e seus amigos, de Leonardo Gandolfi, quem dá as boas-vindas é um coro surpreendente de figuras, registros e duplicidades, diante do qual a noção de autoria é desestabilizada, as expectativas frequentemente se invertem e a voz que lê o poema é também lida por ele, numa espécie de looping da linguagem.
Gênios em garrafas pet, Clarice Lispector, Kaváfis e Julio Iglesias, a mosca Albertina às voltas com a Teoria da Relatividade, estas são apenas algumas das vozes que nos assaltam neste livro inclassificável. E se o deslocamento, o nonsense e o humor paródico permeiam todas as páginas, eles não anulam os afetos nem as angústias, antes promovem uma ciranda na qual todos os convidados se dão as mãos. Afinal, como bem observa Filipe Manzoni, não se trata de simplesmente acompanhar a deriva dos fantasmas, mas de ver as coisas quebradas e, com elas, “inventar novas formas de brincar”.
Este é um livro para o século XXI.