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“Penso que a minha poesia seja fruto da experiência de meus sentidos e da minha emoção, mas devo dizer que não posso ter simpatia por aquele ‘grito do coração’ (...). Creio que se deva saber controlar as experiências, até as mais terríveis, como a loucura, a tortura (...). E se deva saber manipular com uma mente lúcida que lhe dê forma (...).”
Sylvia Plath
Uma das imagens mais frequentes da mítica contemporânea é a do artista morto no auge de sua carreira e criatividade. A morte assumindo aí o emblema da perfeição, do pacto sereno, experiência-limite. Esse culto do gênio trágico e suicida, do mártir precoce, forma uma galeria bem conhecida na história da literatura do século XX, expressa nas figuras de Cesare Pavese, Ernest Hemingway, Virginia Woolf, Maiakóvski, Anne Sexton, Hart Crane, Mishima. Ao valorizar os aspectos da personalidade desses escritores, muitas vezes a crítica eclipsou o valor de suas intervenções estéticas. No caso de Sylvia Plath, depois de seu suicídio em Londres, em fevereiro de 1963, as circunstâncias que precederam sua morte foram exploradas e espetacularizadas ao máximo pela mídia e pela academia. O “cânon” plathiano fabricado desde então resultou incapaz de desvendar o interior de seu processo criativo. A publicação de seu romance autobiográfico The Bell Jar — um best-seller nos Estados Unidos com 80 mil exemplares vendidos em um ano — contribuiu ainda mais para consolidá-la como um mito literário, quase nos fazendo esquecer que Sylvia Plath é uma poeta. Essa mitificação foi responsável pelas leituras estreitas e pela recepção equivocada que seu livro póstumo, Ariel, recebeu da crítica da época — o que se observa, por exemplo, no livro The art of Sylvia Plath, editado por Charles Newman, em 1970. O destaque é dado ao “problema” de Plath, e não a seus poemas. O boom de estudos críticos seguido de meia dúzia de biografias em menos de três décadas, apenas aprofundou a distância entre a autora e seus leitores. Até recentemente, as críticas a respeito de Plath não buscavam entender com mais profundidade as características de seu discurso poético, de seu “artifício”.
A crítica norte-americana Marjorie Perloff, numa perspectiva atual, faz uma leitura mais interessante de Sylvia Plath e de sua obra. Ela diz que, embora com uma produção interrompida precocemente — e com uma poesia de imagens e ritmos que considera limitados e até clássicos —, Plath conseguiu o principal e mais difícil para qualquer poeta surgido no período imediatamente após Eliot, Stevens, Frost e Auden: como inovar dentro do convencional e transcender o “cânon” pesadíssimo. O dilema de Plath foi o de qualquer poeta: como conseguir, por meio da prática textual, uma voz inconfundível e inovadora, posicionamento teórico que julgamos mais pertinente.
Rodrigo Garcia Lopes