“Antes de os tiros terem começado, o futuro seria sempre melhor.” Às vésperas da proclamação da independência de Angola, uma família portuguesa se vê forçada a buscar refúgio na metrópole, abandonando a casa, os pertences e a terra onde, anos antes, encontrara prosperidade. Com a capital Luanda em estado de sítio, mãe e filhos embarcam em um dos últimos voos providenciados para a evacuação dos colonos, deixando para trás o pai, que havia sido preso por guerrilheiros.
Ao chegar a Portugal levando apenas as malas de mão, sem ter quem os receba, são encaminhados a um hotel do Instituto de Apoio ao Retorno dos Nacionais, onde experimentam o estigma que se abate sobre os retornados — que vivenciam o oposto ao “avanço” colonial —, sobretudo aqueles que, como a família desta história, não pertenciam à classe privilegiada dos administradores da colônia.
Narrado por Rui, o filho adolescente já nascido em Angola (e para quem a metrópole era uma ideia abstrata), o romance aborda de maneira sensível um dos episódios mais sombrios da história portuguesa: o retorno para Portugal de mais de meio milhão de pessoas, trabalhadores vindos sobretudo de Angola e Moçambique. O narrador se vê às voltas com um mundo cheio de racismo e violência, com questões como culpa e vergonha, direitos e identidade despontando, à medida que amadurece e se desilude com a vida na metrópole e com a situação da sua e de tantas outras famílias.
Uma das ficcionistas mais importantes da literatura portuguesa contemporânea, Dulce Maria Cardoso trata, neste O retorno, de um trauma coletivo a partir da própria história, transformando a memória daqueles dias conturbados numa ficção única sobre o desterro e a capacidade humana de recomeçar.