O que está feito, está feito
Encostada no parapeito da cobertura do suntuoso edifício, fincado na encosta da Avenida Paulista, Maria Cláudia vaga o olhar inexpressivo pelo mar de luzes que se estende até o horizonte, marcado por pequenas concentrações de iluminação, revelando os vários municípios que compõem a megalópole de São Paulo.
Mulher bonita. Beirava os trinta anos. Cabelos louros, finos, esvoaçados pela brisa que soprava nas alturas dos prédios, naquela madrugada morna. Pele lisa e aveludada da face, resquícios, ainda, de uma adolescência que insistia em não ir embora. Corpo bem-feito, delineando curvas que lhe conferiam toda a beleza e sensualidade da mulher.
Esse conjunto natural, no entanto, parecia desarmonioso pela inexpressividade do olhar, entregue à vastidão da cidade iluminada, como se estivesse ausente de si mesma.
Esse conjunto natural, no entanto, parecia desarmonioso pela inexpressividade do olhar, entregue à vastidão da cidade iluminada, como se estivesse ausente de si mesma.
Não havia alegria naquele olhar, mas, também, não havia tristeza. Refletia um marasmo existencial. Procurava a cobertura do apartamento desde que voltou para a casa dos pais, há quase três meses, após o fim de seu casamento com um amigo da juventude.
Não sabia identificar que experiência teve daquela relação, de quase dois anos, senão as lembranças das frenéticas festas e
viagens constantes, em cenários de riqueza e agitação, que a impedia de refletir sobre aquela nova fase da vida.
Nascida numa família rica, cresceu cercada de proteção. Seus pais temiam a prática banalizada de uma nova onda criminosa, que assustava os habitantes da cidade: os sequestros.