Escrever deixa marcas. E são as pegadas de seu eu literário que Cristovão Tezza retraça em O espírito da prosa. Uma espécie de romance de formação às avessas, onde em vez de acompanharmos a maturação de um personagem, fazemos o caminho contrário. E encontramos as origens de um escritor consagrado. Tezza visita o pouco explorado território fronteiriço criador-leitor. Dr. Jekill e Mr. Hyde, coexistindo no mesmo olhar — o narrador que escreve, autor de O filho eterno, premiado, incensado, comentado, em justaposição com o leitor que fiscaliza. Num estranho minueto, de ritmo tenso e equilíbrio delicado. A natureza da criação literária, a luta para encontrar seu texto, as influências em sua sintaxe se encontram nestas memórias seletivas. Da criança que copiava a forma dos livros em pequenos compêndios brancos até o prosador premiado, passando pelo jovem que tentava absorver um estilo por osmose. Ou teimosia. Que queria escrever um novo São Bernardo, uma cena de Dostoiévski ou um parágrafo de Faulkner. Aqui, Tezza disseca a máquina da criação literária com o bisturi de seu talento. Separa nervos e tendões, estilos e ícones de seu ofício, num mergulho no espírito da prosa, de si mesmo, de sua geração e da literatura que o marcou. E que ainda hoje o interessa. E dá vida a um inanimado objeto de discussões filosóficas, antropológicas e estéticas. Abre o peito de prosador/leitor e revela a massa de dificuldades, desajustes, sentimentos contraditórios, ódios suprimidos, desejos proibidos e náuseas insuportáveis que são a matéria-prima do sacerdócio da escrita. E que o moldaram em uma principais vozes da literatura brasileira contemporânea.