Dono do Castelo é o conde de Westwest; este nome indica apenas um ponto quimérico da rosa-dos-ventos, e deve ser tomado como a exteriorização do ideal humano. Tendemos todos para um alvo quimérico, que não sabemos definir, um céu hipotético, uma região no espaço, mundos superiores; o castelo, como símbolo de paz e perfeição para o homem, está presente em todos os nossos sonhos; naturalmente, nele está oculta a figura do Pai, que é a soma de todas as perfeições. Os elementos do drama kafqueano aí estão, perfeitamente delineados e podem ser comparados, perdida a grandeza do mistério e com suas figuras distorcidas pelo prisma das contingências humanas, com os personagens primeiros do drama da criação. O Criador apenas se subentende como o depositário da Verdade e conhecedor da falta que amesquinha o Homem. Este entra no mundo já incriminado, atravessa a existência com o peso da frustração pela sua culpa; deve lutar com a morte, que está incubada nele, como o "preço do pecado", e incessantemente procurar redimir-se pela humilhação consciente e o conhecimento da verdade. E a mulher também aparece, misteriosa e intocável (lembrar-se que Kafka não pôde casar-se) porque ela é a esposa e a mãe - e é também o caminho pelo qual o homem é admitido a participar da criação. Através dela o homem encontra a sua função no mundo (K. torna-se bedel); através dela poderá perpetuar a sua figura à "imagem e semelhança do Criador"; nela encontrará refrigério às suas dores, consolo ao desencanto, incentivo no desespero. Encontrará amor? Sim, mas condicionado a tantos impositivos éticos, morais, religiosos, sociais, que fatalmente se perderá. Cada geração repete o formidável drama. Remete-se o homem ao mundo que lhe é hostil, impõe-se-lhe o pecado através da tentação de recriar-se à imagem de seu Criador e arrebatar-lhe o conhecimento da Verdade, subjuga-se-lhe a vontade pela lei mutável da vida e da morte e deve contribuir, anonimamente, para que os pósteros estejam vigilantes na defesa de seus ideais. Kafka, amadurecido, pois o "Castelo" era lido aos amigos em 1922, poucos anos antes de sua morte, realiza-se plenamente com esse romance. A interpretação que lhe demos é pessoal; certamente representa alguns ângulos do multiforme universo kafqueano. Se dele refletimos algumas luzes, acrescentem os leitores as suas e admiremos todos o estupendo espetáculo.