Como o próprio título deste romance sugere, Memórias Sentimentais de um Gauche na Vida é uma narrativa que capta as vivências (afetivas e existenciais) de um personagem “à margem”.
Em tom pessoal, confessional, em que quase todos os capítulos são narrados em primeira pessoa, é uma espécie de romance fragmentário, que parece começar e terminar diversas vezes, sem uma ordem linear específica ou clara, construindo-se como em um mosaico, ou um caleidoscópio, de viagens, cidades, citações e relações. O formato é circular: as histórias-memórias conversam entre si, embora a maioria dos capítulos possua relativa autonomia. Nesta démarche, intertextualidade e metalinguagem jorram das reflexões deste caminhante gauche, à medida que tomamos conhecimento de suas jornadas. Somos levados por caminhos que passam pela amizade, o desejo, o erotismo, a política, a literatura, entre outros. O autor se vale do recurso de interromper a narração, com um comentário sobrepondo-se a um pensamento ou fluxo de consciência, revelando aos poucos a personalidade do narrador: desconfiado, autocrítico, digressivo. Os pensamentos borbulham e se atravessam e se corrigem.
O narrador caminha/divaga por várias cidades, como Belo Horizonte, Paris, São Paulo, Nova Iorque, evocando memórias desses lugares. Há também inúmeras referências e alusões literárias, filosóficas, culturais, do cinema, etc. Em particular, a poesia de Carlos Drummond de Andrade transforma-se no leitmotif que estrutura as memórias deste narrador igualmente gauche forjado na mineiridade, e que se apresenta como um “flâneur-voyeur”, um observador que perambula pelo mundo, perscruta-o com espanto, verve e ironia.
O livro gira em torno deste personagem e sua bagagem de ideias, impressões, emoções e acontecimentos, evocada nessas caminhadas quase diárias, que iniciam e encerram o livro. É interessante como, ao final, o leitor pode descobrir o que originou alguns capítulos – quase como se estivéssemos conversando com o narrador, compreendendo as suas ideias e aquilo que o levou a escrever da maneira como escreveu, o que confere uma complexidade e uma riqueza de perspectivas: o leitor se vê, ao final, um elemento ativo da composição narrativa, sugerindo que tudo o que foi lido ainda acontecerá, confundindo e misturando as temporalidades das narrativas para que sejamos imersos em um tempo próprio da escrita.