A história de 'Mar profundo' começa em Londres, quando o personagem-narrador Triton, já adulto, está com seu Volkswagen vermelho em um posto de gasolina. Na tentativa de pagar pelo combustível, ele se depara com uma porta fechada. Atrás do vidro, alguém o fita e Triton pensa - 'quase que um reflexo de mim mesmo'. Depois de confirmar, descobre que o outro também é do Sri Lanka. Em vão, tenta se comunicar em sinhala, uma das línguas faladas na ilha, ao que o outro responde - 'tâmil, tâmil', a língua falada pela minoria hindu. Esta introdução é seguida de um breve diálogo, que faz Triton lembrar que está na Inglaterra há mais de vinte anos. Este é o ponto de partida para ele recordar suas origens, em um passado tão distante quanto sua longínqua pátria. O autor, assim como seu personagem, nasceu no Sri Lanka. Gunesekera faz parte da nova geração de escritores que, oriundos de países 'periféricos' ao eixo cultural ocidental, têm, nos últimos anos, recuperado as histórias de suas pátrias sob um novo prisma. No livro, Triton é um menino franzino, de onze anos, que acaba expulso de casa. Seu tio, na tentativa de lhe dar um futuro melhor, o deixa na casa do senhor Salgado. Ranjan Salgado, por sua vez, é um entusiasta da biologia e amante dos corais. Esse estudioso que freqüentou as melhores escolas de Colombo não vê limites para o conhecimento - escrevia, em sua casa, longos artigos sobre legiões submarinas e transformações da água, rodeado pelo mar paradisíaco. E Triton, ao ingressar nesse universo, quer absorver tudo o que Ranjan lhe inspira, conhecimento, respeito, afeto, amizade. Assim, o pequeno começa varrendo o chão, polindo a prataria, mas quer logo aprender a cuidar da casa para ganhar a aprovação do senhor Salgado. O contraste entre a vivacidade de Triton e a sisudez de seu patrão é seguido de um segundo abismo, entre o ambiente puro que os rodeia, uma natureza ainda não explorada, e os conflitos étnicos que permeiam toda a narrativa de Mar profundo. Logo de início, fica-se sabendo que o ano em que Triton se mudou para a casa de Ranjan foi o mesmo de um golpe militar mal-sucedido. À medida que a narrativa avança, o clima tenso que se instala no país - do conflito entre a minoria hindu tâmil e a maioria budista sinhalesa - vai se revelando. O conflito se acentua e o senhor Salgado decide que é hora de partir quando seu melhor companheiro, Dias, aparece morto no mar. O enredo de Gunesekera, que mostra em primeiro plano o crescimento de Triton e o fortalecimento da relação com o senhor Salgado, é acompanhado do início ao fim pelo aroma da cozinha do Sri Lanka e pelo barulho das ondas do oceano. Triton aprende não só a cuidar da casa com perfeição, a servir o chá na hora exata - iguaria tradicional do Sri Lanka -, a respeitar os momentos de silêncio do senhor Salgado, mas também se torna um exímio cozinheiro. Ao longo da narrativa, o jovem envolve os leitores com suas iguarias. Ele testa o sabor dos temperos, acerta o ponto dos bolinhos de peixe e a temperatura perfeita da massa da panqueca, prepara um prato de salmão vermelho em exatos doze minutos e um sem-número de delícias. Mas Triton vai mostrar toda a sua arte quando Ranjan passa a ter a companhia da senhorita Nili. A sua presença perfumada vai modificar para sempre a casa e a vida dos seus moradores. Enquanto o senhor Salgado se ocupa em admirar Nili, Triton faz de tudo para agradar seu estômago - bolinhos de coco, sanduíches de ovo, pastéis quentinhos e até o mais romântico dos pratos, o bolo de amor. Porém, essa convivência idílica não durará para sempre, e o paraíso irá desmoronar aos poucos, nessa narrativa primorosa de Gunesekera.