Machado de Assis: contos, organizado por Tiago Sottilli, nos apresenta Machado por meio de 15 contos escritos entre os anos de 1881 e 1899.
Do ponto de vista histórico, são duas décadas cruciais para a história do Brasil, atravessadas por intensas revoltas de escravizados, por diversos aquilombamentos novos e pelo auge do movimento abolicionista, que já se articulava em mais de 200 associações militantes contra a escravidão. Essa pressão social foi respondida pelo Estado em 1885 com a Lei dos Sexagenários; em 1888 com a Lei Áurea, e em 1889 com a Proclamação da República, registrando a triste marca de ser o último país da América a abolir o trabalho realizado por escravizados, e já intensificar na sequência a política eugenista de branqueamento pelo incentivo de contratação de mão de obra europeia e a paralela criminalização e marginalização das existências negras.
Como passar por esses anos e registrá-los à altura de sua complexidade? Além dos romances já bastante conhecidos, Machado escreveu 110 contos em sua vida. Atento observador das contradições de seu tempo, expressou com maestria por meio de seus personagens e suas descrições ambientais os principais impasses intersubjetivos de classe, raça e gênero desse período.
Três aspectos serviram de critério para a seleção desta coletânea: o tema da infância; o modo do realismo machadiano; e sua figuração da desfaçatez de classe. Nesses 15 contos encontramos grandes marcas do escritor: a presença da violência; a atmosfera misteriosa; o tom anedótico; e o sentido aberto e amplo da interpretação, em que se discute da alta filosofia à ideologia e o senso comum. Por meio deles acreditamos poder evidenciar que Machado de Assis é um autor “atualíssimo”. Em seus contos, encontraremos tanto a conjuntura atual quanto a explicação de consumação e construção dela, seus antecedentes históricos, suas raízes mais profundas e sempre o seu desajuste com a perspectiva de nação que se almeja.