(...) Hoje são setenta e cinco dias da morte. E vinte e dois anos do casamento. Dela não guardo queixa. Tão econômica, do dinheiro usava só a metade. Por que não gastou tudo? Não deu, ela acudia. Não tive coragem. Essa roupinha sabe quem costurou? Existe dona igual? Candidata é que não falta. As filhas acham que devo. Viúva moça, solteira de prenda. Até com dentinho de ouro. Alguma que nem mereço. Tão enfeitada e viçosa. Se foi plano de Deus, bem sei, devo me conformar. De dia me distraio na oficina. Mas de noite? Pensando nela me bato a noite inteira. Minha cama, nela eu deitava. Colcha de pena de colibri, com ela me cobria. Doce cadeira de balanço, nela me embalava. Apagada a luz, erguia a camisola. Cego, de repente eu via — no lombinho tão branco duas luas fosforescendo. Saudade judia do corpo? Sinto a vista cansada, mal posso ler. Toda manhã faço a barba, ainda aparo o bigode. Ela morreu — e não raspei o bigode. Três dias que o olho está seco. Me esbofeteio com força. Chora, maldito. Ela, a Maria, que não deixa o sargento. — Já prendo esse vagabundo. — Pelo amor de Deus, sargento. Não faça isso. — Precisa de uma lição, o bandido. Ao nenê faminto ela oferece o bico negro do seio: — O culpado é o Balaio de Pulga. Não cabe mesa nem cadeira. Estreito corredor, dois ou três caixotes, mais os bêbados — sempre lugar para mais um. — O sargento devia fechar. É uma perdição. Do Balaio o João sai cambaleando. Verte em plena praça um rio de espuma — onde ela cai já não cresce a grama. — Segura o hominho! Cuidado, não é a pistolinha na mão? O brado retumbante e dois tiros certeiros na lua cheia. — Aqui não tem macho. Aos tombos chega em casa, mete a botinha na porta. Maria foge pela janela. — Com o hominho ninguém pode. O galo da vizinha não para quieto. João firma-se na cerca, fecha um olho e, no meio do clarim, tiro e queda. — Conheceu, papudo? De manhã a dona volta, ressabiada. Rindo feliz João cerca-a na cozinha. E de pé contra a mesa faz mais um filho.