Este livro de Jacques Rancière, assim como “A vertical das emoções: as crônicas de Clarice Lispector”, de Georges Didi-Huberman, são fruto de conferências proferidas pelos filósofos na Universidade de Zurique, em um ciclo organizado pelo professor Eduardo Jorge de Oliveira dedicado a escritores brasileiros.
«Com “João Guimarães Rosa: a ficção à beira do nada”, Rancière desdobra e amplia suas reflexões, ao formular a hipótese de que, se um autor como Flaubert – no espírito da busca da expressão da vida prosaica operada por esse “gênero sem gênero” que é o romance – almejava escrever um “livro sobre nada”, o escritor mineiro, por seu turno, está à beira do nada quando coloca a tradição das lendas e fábulas nas bordas da vida ordinária. Ao perderem o “fio da meada”, as (quase) histórias do Sertão constituem-se, no âmbito daquilo que Rancière chamou de regime estético das artes, como uma libertação da “tirania da intriga”, ao frustrar a expectativa daquilo que deveria acontecer: o marido traído no conto de “Tutameia”, em vez de vingar-se, cria uma nova história na qual a esposa aparece como inocente. Assim como a personagem do conto, o leitor de Rosa é sempre instado a imaginar outras histórias, e se Rancière, ao propor novas chaves de leitura, insere-se na grande fortuna crítica existente em torno da obra do escritor, ele o faz como um amador, no duplo sentido da palavra, que dá sua contribuição para aumentar a partilha do sensível e provar que a capacidade de criar histórias é infinita.»
Trecho do texto de orelha de Pedro Hussak