Quando Micheliny Verunschk estreou na poesia, João Alexandre Barbosa exaltou seu primeiro livro por encontrar nele “não uma poesia de atualidades […] ou de intimidades, mas uma poética que cava fundo nos dispositivos da linguagem”. De fato, os leitores não encontraram uma poeta que se limitasse a descrever o mundo, tampouco alguém brincando na superfície da linguagem. Logo nos primeiros versos, fomos lançados entre abismos e imagens desnorteadoras: a dor é uma “inútil traça” entre os “outonos e infernos”, há um navio se movendo entre os móveis da sala e “o Sol [é um] imenso carrapato agarrado no azul”.
Desde então, a poesia de Verunschk aprofunda esse movimento que, a um só tempo, retorce e desvenda o real: por trás de palavras que põem tudo em ordem — geografias, cartografias, arquiteturas, engenharias, biografias —, há descobertas de “distâncias imaginárias/ que contam/ das reais distâncias entre nós”.
É com essa poesia que faz tudo voar, por dentro e por fora, que os leitores se encontrarão em Geografia íntima do deserto: e outras paisagens reunidas. Em torno de sua obra de estreia, está organizada uma constelação formada por outros títulos, como A cartografia da noite (2010) e B de bruxa (2014), e pelo inédito Vestidos vazios, que convidam a experimentar “o milagre circular do movimento do tempo”, como afirma o poeta e compositor Lirinha no texto de orelha.
Em todas as paisagens, com ecos sutis e diferenças às vezes tão profundas quanto ilusórias, o olhar agudo e a palavra obsessiva de Verunschk fazem brotar o espanto, porque mostram que é possível visitar — numa única viagem, num mesmo labirinto, ao alcance da mão — o sonho, a memória e a realidade.