Em junho de 2011, ao lançar Fora do tempo em Israel, David Grossman preferiu não dar entrevistas. Talvez porque o livro seja uma investigação íntima da experiência do luto. Como se sabe, em agosto de 2006, o filho do autor, Uri, então sargento do Exército israelense, foi morto, pouco antes do fim do conflito com o Líbano. Por uma triste ironia, o romancista havia acabado de se manifestar em favor de um cessar-fogo, ao lado de Amós Oz e A. B. Yehoshua.
Num registro único, deixando transparecer o contexto pessoal e israelense apenas por alusão, Fora do tempo retoma o drama medieval para, com o auxílio da parábola e do maravilhoso, forçar os limites da expressão e dar voz ao luto desde dentro. Depois de cinco anos de dor muda, um Homem subitamente recupera a fala e anuncia a sua Mulher que partirá numa jornada para “lá”, onde sente que o espera o filho morto. Andando em círculos, ele magnetiza uma cidade de pais enlutados, que, numa espécie de transe, marcham como se pudessem franquear a linha de fronteira entre “aqui” e “lá”. A estranha disputa entre um Anotador supostamente incumbido pelo Duque da cidade de registrar as dores alheias e um atormentado Centauro - metade homem, metade escrivaninha - com bloqueio criativo evidencia que o trabalho do luto é também o percurso tantas vezes extenuante de esclarecimento da experiência da perda e corajosa retomada da palavra.
Com efeito, talvez a poesia tenha se revelado a “língua da dor” para Grossman, justamente por sua excepcional plasticidade, como se fosse a única linguagem capaz de roçar essa realidade tão impositiva quanto inabordável: a morte.
“A poesia serve aqui para estabelecer distância, e ao mesmo tempo garante valiosa força à dor dos personagens. Em outras palavras, Grossman encontrou um maravilhoso equilíbrio entre conter e soltar um grito. É preciso tirar o chapéu para Grossman: poesia inquietante, poesia em sua melhor forma.” - Haaretz