A chegada triunfal de um engenheiro — um pouso forçado em pleno largo da matriz — reacende as esperanças dos moradores, sobretudo as de Cravo do Lírio D’Água, homem mais poderoso da pequena cidade. O patriarca vê no jovem promissor não só a possibilidade de construir a tão esperada barragem que dê fim a seca que assola a cidade, mas também a oportunidade de se livrar de Hortência, filha nascida fora do casamento. O engenheiro, porém, busca em meio a tão curiosa fauna humana, superar um antigo trauma.
Mais do que ao tradicional mote do forasteiro que transforma a dinâmica de um lugar, convém se atentar à preponderância da metáfora vegetal. Para sorte do leitor, acontece de os espécimes do jardim exuberante criado por Santana Filho não serem compostos apenas da bela e colorida parte visível da flor, a corola, como é costume nos poemas de rima fácil ou nas descrições pouco inspiradas, muito pelo contrário, neste romance, há aquilo que Georges Bataille percebe bem: a contraparte da flor, que apodrece rapidamente e por isso simboliza não só o amor, mas também a morte, são as raízes, que “chafurdam no interior do solo tão enamoradas da podridão como as folhas das luzes”.
As vidas de Cravo e dona Gérbera, do engenheiro, de Gigante do Noca e dona Chuta, de irmão Deocleciano e de tantas outras figuras fascinantes têm raízes profundas na saga da cidade e das famílias, e devem seu crescimento às águas que irrigam as partes inferiores do corpo. Se cenário e personagens têm nome de flor, a água só pode ser decisiva para o destino geral. Há um poema que ensina: líquido é por definição o que prefere obedecer ao peso a manter a forma e que, por causa desse vicio mórbido, perde toda compostura. É desse caráter do que é líquido que trata Flor de Algodão. Para além de qualquer simbologia, porém, o que faz deste um excelente romance é a variedade de prosa que Santana Filho cultiva. Às vezes poética, com frequência engraçada, e sempre muito elegante em seu traje de frases longas e vocabulário ornamentado. É ela que dá viço a uma trama que mantém os dois pés fincados numa das melhores tradições latino-americanas: a que flerta com o insólito para falar de lugares onde, como canta Caetano, “tudo parece que era ainda construção e já é ruína”.