A Espanha está fortemente presente neste Devoradores, desde a capa até a última página.É preciso saber de antemão, no entanto, que não se oferece aqui qualquer informação turística ou de curiosidades sobre o belo país mediterrâneo. No romance contado pelo escritor Astolfo Araújo, dono de uma prosa concisa, segura e elegante, são reveladas as entranhas, os ideais e as lutas que travam entre si personagens de correntes ideológicas tão próximas e – paradoxalmente – distantes anos-luz em seus respectivos métodos e práticas. Devoradores, cuja capa clama a atenção dos leitores ao mostrar a pintura homônima, e inesquecível, de Francisco José de Goya, conta a história de uma vingança, levada a cabo por um anarquista conhecido como Qualquer. Seu pai fora morto brutalmente por stalinistas, membros do Partido Comunista Espanhol, no ambiente atormentado que acometeu a Espanha no final da década de 1930, período em que se deu a famosa e cruenta Guerra Civil Espanhola. O palco das ações de Qualquer é o Brasil. Aqui, o personagem central do livro de Araújo busca a revolução socialista nos estertores da presidência de João Goulart. Qualquer é nesta época membro de um grupo de ação revolucionária, e já neste período começará a intervir para perpetrar sua vingança e tornar-se símbolo do traidor cujo rosto incógnito centralizará as aflições dos outros personagens, a maioria constituída por comunistas stalinistas. Como escreve no Posfácio a escritora Márcia Denser, “Devoradores representa (sem perder o mote marxista da época) um salto qualitativo na obra de Astolfo Araújo, inserindo-o definitivamente na linhagem dos tough writers (escritores durões), como Hemingway, Steinbeck e Dashiell Hamett, porém com profundidade reflexiva – eis o avanço literário de AA em relação aos norte-americanos citados”.