No primeiro dos ensaios reunidos neste livro, “Não se deve confiar nas aparências”, Joyce – quando muito jovem – reserva ao olho o papel de única exceção a essa máxima, apontando que ele “nos revela a culpa e a inocência, os vícios e as virtudes da alma”. Esse texto prematuro, cativante na feliz tradução a nossa língua, já sugere aspectos fundamentais da obra e da vida do gigantesco escritor irlandês, desenvolvida a partir de elementos como a culpa e o vício, a inocência e a virtude. De modo análogo ao olho por ele distinguido, seu olhar sobre a Irlanda, a vida e a arte desvela, em sua superfície (apesar da aparente pouca “profundidade” dos artigos) os fundamentos do autor, lançando luz sobre sua obra ficcional e poética.
Com este livro – organizado por destacados joycianos brasileiros que acumulam a incansável dedicação à tarefa de (bem) traduzir – Joyce parece estar mais presente, mais vivo entre nós, embora fôssemos, já, privilegiados pela existência de múltiplas traduções de sua ficção. Nestes ensaios: os aspectos políticos de sua obra (cuja existência foi, por vezes, negada) tornam-se evidentes, conforme comenta, em seu artigo no volume, Dirce Waltrick do Amarante; a visão crítica do escritor se mostra afiada – constitui-se “uma espécie de tribunal do qual nenhum contemporâneo sai ileso”, como afirma em seu estudo André Cechinel, para assinalar que esse aspecto esconde a indicação da trajetória literária do próprio autor; a teoria estética apresentada – depois ressurgida em sua ficção – já revela que “arte e vida confundem-se num mesmo todo” (no dizer de André); são identificáveis “temas, imagens, palavras, polêmicas” que integrariam Ulysses, prenunciando-se, na visão de Caetano Galindo, o “projeto” configurado pela obra ficcional de Joyce.
Quase desconsiderados no último século, os escritos deste livro podem ajudar – como almeja Sérgio Medeiros – a revelar o “Joyce ‘ilícito’ do pós-modernismo” e a compreender o “grande barulho estético, e político,” produzido por Ulysses e Finnegans Wake. Alimentem esperanças os que entrarem.
Marcelo Tápia