Para traduzir o título do primeiro livro publicado por Kafka, Modesto Carone preferiu a palavra contemplação (em vez de meditação ou consideração, por exemplo). A escolha evoca uma característica comum aos dezoito textos que compõem a obra: em todos eles o olhar do observador, seja ele narrador em primeira ou em terceira pessoa, concentra-se no estado em que as coisas se apresentam ao serem observadas.Quem contempla mergulha numa espécie de presente contínuo. Ignora o passado das coisas, a história que as tornou o que são agora, neste instante. Ignora também o futuro; não projeta, não cria expectativas, não concebe planos para influir sobre o que elas são neste momento. Contemplar é um modo de observação que exclui o desejo e a necessidade de agir sobre as coisas.Não interrogando nem o passado nem o futuro, os narradores e personagens de Contemplação tornam-se especialmente persuasivos. Movimentam-se no mundo como se fosse eterna a duração do status quo. Mesmo em textos como "Os que passam por nós correndo", "Decisões" ou "Desejo de se tornar índio", o que parece constituir-se como pensamento especulativo traduz antes uma adesão empática ao estado imediato das coisas, como se quem observa (a si mesmo ou ao que lhe é exterior) desconhecesse a passagem do tempo - e, portanto, não soubesse discriminar ou supor relações de causalidade. Já acompanhamos aqui uma das linhas de força da literatura kafkiana: a "naturalização do absurdo", para usar a expressão de Modesto Carone.Em O foguista, o arroubo juvenil de um rapaz de dezessete anos desencadeia um simulacro de julgamento em que a noção de justiça será confrontada com os imperativos da disciplina. No entanto, esse embate se dilui quando surge para o rapaz uma perspectiva inesperada de felicidade individual. Criando coincidências, entrelaçando abruptamente situações e sentimentos que uma compreensão realista manteria distantes, Kafka materializa, também aqui, um pouco daquela estranha lógica que nos faz observar o mundo com espanto.Contemplação, o primeiro livro publicado por Kafka, foi lançado no final de 1912; possui textos que chegam a datar de 1903, quando o autor tinha vinte anos - e é surpreendente como o talento do grande mestre universal já está presente aqui. A novela O foguista - um trabalho de qualidade literária excepcional - foi publicado por Kafka em 1913, como peça autônoma, embora se tratasse do primeiro (e mais célebre) capítulo do romance O desaparecido, até hoje incorretamente denominado América.