Carcará é uma coletânea de 14 contos inéditos de Rodrigo Santos. O livro apresenta um denso tecido urbano, periférico, com diversos tons e subjetividades dos comuns, que vivem e tentam se equilibrar diante de mazelas sociais e, principalmente, de questões emocionais como: a solidão, o sentimento de abandono, o medo da morte e da violência. A abertura do conto Mesa Posta anuncia um pouco os caminhos por onde percorrem os contos de Carcará, “Uma história escrota, eu sei, mas me contaram assim e eu não posso florear. A realidade é muito mais escrota do que a ficção.” Nas narrativas de Rodrigo, as camadas menos sublimes da vida estão expostas. O autor expõe, sem reservas, quebraduras, cheiros, cores e fluxos do corpo humano, como em O Carona “Assim que voltou a si, olhou para sua perna e viu que um rasgo lateral na carne ia do joelho até quase a cintura. A carne branca, exposta como um pedaço de banha de porco, e o sangue capilando lentamente” e “Na metade do caminho, a dor no topo da cabeça começara a escorrer viscosa pela sua testa e seus olhos, e a cada tentativa de limpar o sangue dos olhos com as costas da mão, trazia um pouco de terra para seu rosto”, como também em “E aquela coisa toda de sangue, de cheiro, de suor…”, do conto Lobimana, Lobismina, Lobimoça. Nos contos desta coletânea, repletos de uma oralidade urbana fluminense, Rodrigo transita do real para o fantástico (Lobimana, Lobismina, Lobimoça) e o realismo animista, como por exemplo, no texto que dá título ao livro, onde um carcará oportunista e ortodoxo conversa com um moribundo: “Em vez de ‘pega, mata e come’, é mais um ‘opa, tá dando mole ali vou comer’. Sacações de um autor ciente do universo literário que vem construindo ao enfrentar as suas inspirações e transformá-las em uma literatura que merece ser lida.