Desde que estreou na ficção, em 2008, Evando Nascimento tem se destacado por duas características raras na produção literária brasileira. Uma delas é o estilo narrativo original, que explora a exuberância da linguagem sem perder de vista o rigor e a concisão. E a outra é a força inventiva com a qual transforma a algaravia e as contradições do cotidiano em matéria-prima para histórias surpreendentes. Em Cantos profanos, seu terceiro livro ficcional, essas características aparecem em contos breves, fragmentos, microensaios, imagens. Representam, assim, outra marca do autor: seu jeito de desafiar os gêneros, explorando diferentes formações discursivas.
Na obra, que marca sua chegada ao selo Biblioteca Azul, da Globo Livros, Evando vasculha de forma sui generis algumas das zonas sombrias do contemporâneo. Em suas páginas, o leitor poderá acompanhar as peripécias de um taxista libertino, os instantes finais de um suicida, as diatribes de um narrador exausto da hiperinformação, o sexo fortuito de uma pesquisadora-palestrante. Canibalismo, incesto, violência urbana, luta de classes – temas provocativos aparecem sob ângulos muitas vezes inusitados, atribuindo vida a situações das quais, em geral, mesmo a literatura tenta se esquivar.
Mas Cantos profanos também exibe tramas de vigor lírico. É o caso de “Altamente confidencial”, conto que reproduz o e-mail onde um carteiro faz uma ode à profissão e à literatura. Ou de “Noturno”, cujo narrador tem uma epifania ante uma ave marinha, em noite de carnaval. Em outros textos, Evando ultrapassa os limites do cotidiano rumo a exercícios de intensa fabulação, como em “Terra à vista”, que retrata a angústia do derradeiro sobrevivente de um módulo espacial ancorado em Marte, às vésperas do ano 2150.
Não por acaso, é a primeira pessoa que prevalece nas narrativas deste livro. São testemunhos de nossos tempos, vozes que reverberam as angústias e contradições contemporâneas. Juntos, desenham um caleidoscópio perturbador. Mas que, ao mesmo tempo, não se esquiva da alegria. Porque as histórias presentes em Cantos profanos são também tramas de resistência, de encantamento, de sedução ante a vida e ante a linguagem, com tudo o que as duas possuem de perverso e, por isso mesmo, irresistível.
Na parte final do livro, Evando apresenta sua aguda verve de filósofo-cronista, com um rol de formas textuais que poderíamos chamar fragmentos, pequenas crônicas, aforismos, microensaios. Mas que parecem mais apropriadas se classificadas sob o título que as reúne: “Vestígios”. São, afinal, rastros de movimentos pelo mundo, reflexões que têm como mote temas tão diversos quanto o suicídio de Lady Macbeth e a opressão espacial que marca o filme O som ao redor.
Cantos profanos não se exime dos laços sanguíneos com seu antecessor, Cantos do mundo, um dos livros finalistas do Prêmio Portugal Telecom de 2012, na categoria conto/crônica. É uma obra que renova este que parece ser o compromisso de Evando: perscrutar a singularidade e o encantamento num mundo que parece, à primeira vista, cada vez mais uniforme.