Mente e sofre o autor que, ao escrever novo livro, pensa livrar-se do anterior. Palavras, escritas ou faladas, têm tanto de ranço quanto de rosas. Tanto expurgam quanto exalam. Tanto batem até que furam, dos tímpanos aos bofes. Patrícia Porto sabe disso. Possui o manejo. Tem as mãos adestradas ao ofício, mas chuta as panelas, rasga a nesga da saia a navalha, aumenta a chama a ponto de incendeio, erra a pitada do tempero. Por isso, quando me pediu que escrevesse uma orelha para este livro, reagi com ironia: “Ora, ora, Patrícia... Não te farei apenas a orelha. Te faço escuta”. Sonora escuta, porque os poemas de “Cabeça de Antígona” como, aliás, toda a poética de Patrícia Porto é de uma musicalidade que beira ao absurdo. Provoca desvario. Então, não se surpreendam que, cabocla e maliciosamente, sua Antígona se assemelhe a uma ribeirinha ancuda terçando um coco, um tambor de Mina, um samba de roda. Assim ela põe Antígona e Ogum no mesmo terreiro: “...espadas são de Jorge /pedaços apartes, as flores de Adão /cabeças - são de Antígona”.
E no ritmo alucinante da música (leiam Patrícia Porto em voz alta, por favor!), ela nos oferece “Cabeça de Antígona” como fígado ou figo numa bandeja. Serve vinho rascante com marafo e a cada gole destila sua bacante e exusíaca epifania. Por isto o livro é desvelador, está dividido em cânticos. Seis cânticos que começa com “I. Corpo é casa” e termina em “VI. O mapa é corpo” Corpo de mulher. Carne salmourada na mesa deposta. Salomé despida dos véus diante da virilidade de João Batista. Temores? Clamores? Contrições? Ora, a poesia de Patrícia Porto equilibra racional e descaradamente, um pé no púlpito e outro no puteiro.
Ler e ouvir “Cabeça de Antígona” é um expor-se aos espantos, até cruéis, quase sempre, mas no fim (?) você fecha a quarta capa e volta pra casa com o coração aos frangalhos, incensado, embebedado, latejante, louco por uma arruaça...
Délcio Teobaldo, inverno de 2017