A publicação de uma autobiografia lírica permite que o poeta dê a conhecer aos leitores muita coisa da sua vida, guardada no baú das memórias, geralmente a sete chaves, a que apenas os mais próximos tiveram prévio acesso.Este livro, Autobiografia lírica (selo Escrituras), do poeta Luciano Maia, apesar de seu título, traz muito mais do que o relato das lembranças que compõem sua biografia pessoal, mesmo sabendo-se que a qualidade lírica da produção abre uma larga porta à criação de situações, estados e contextos, que somente pela via oblíqua da imaginação poderiam ter ingresso.Mas aqui as coisas se passam de maneira extremamente singular, pois as partes criadas pela imaginação do poeta se ligam magicamente àquelas que são experimentais ou históricas da sua vida, formando uma teia só, não permitindo que se perceba onde uma termina e a outra tem o seu começo. Aliás, essas coisas do tempo e das memórias, das lembranças sentidas e das fingidas, parecem mesmo impossíveis de se separar, ainda que fosse apenas para depois refazer a sua unidade.Está aqui um livro (ou seria mais um relato) biográfico de um poeta mundi, que faz sua vida deslizar por emoções que vêm de muito longe no tempo, e de lugares mais distantes ainda, mas tudo posto num surrão de lembranças, como se fossem coisas acontecidas ontem; se é certo que o homem não se livra do seu passado, mais certo ainda é que não se livra da sua infância e muito menos da sua história. E essa história é muito mais longa (e maior) que a sua vida pessoal.Pois bem, estes poemas documentam tudo isso. O poeta faz mistura de real e imaginário com tal arte de unir e implicar as coisas, que mesmo os acontecimentos mais antigos, anteriores até ao mais velho registro de sua família, têm a sua participação viva e influente. Quando descreve os seus ancestrais é como se os tivesse visto agora, ou como se eles, com seus ásperos bigodes retorcidos, o contemplassem...Não destaco passagens ou poemas, porque acho que este livro de Luciano Maia é para ser sentido por inteiro e de uma vez só, como se o leitor estivesse debaixo da sangria de um açude de águas verdes de mato, no mês de abril de um inverno imemorial, já acontecido ou futuro.Biografia lírica, biografia de muita gente espalhada pelo mundo e feita uma, na mágica das palavras.