Tudo é tão inaugural na poesia de Laura Erber, que o leitor atônito tem por vezes a sensação de estar diante de um texto traduzido de alguma língua exuberante à qual só a poeta tem acesso, de sintaxe torcida e palavras curiosamente combinadas. Os poemas nos lançam num lugar de intensidade incomum; os «passados» não são «longínquos», mas «incógnitos»; a água é «dura», e, quanto aos amantes, «ninguém desmancha aqueles dois, nem na língua de chegada».
Não espanta estarmos diante de uma autora tradutora, que verteu para o português, entre outros, os poemas em pro sa de Anne Carson. A tradução, se opera quase como mecanismo de criação, está também explicitamente tematizada nestas páginas, assim como a vida das imagens, outro campo de interesse da autora. Se Erber já dissolveu fronteiras de gênero em seu fazer artístico, aqui também os limites entre prosa e verso foram ultrapassados, e avançamos por uma prosa que busca sua própria respiração rítmica: «Te encontrarei dormindo por isso chegarei lentamente e sem fazer ruído soprarei de leve alguma coisa em você».
«Você», aliás, é parte central dessa lírica de enlaces, endereçada, que lança cartas se sabendo interceptada: «escrevo com o que você me faz quando não estamos fazendo nada». Atenta ao feminino, Laura ativa o erotismo lírico como quem joga cartas ou dardos, criando figurações inéditas para o sonho e a carne. Os olhos ora se voltam para o íntimo, ora se abrem à observação de um girassol, à sensação generalizada de apocalipse ou às cinzas espalhadas de um museu incendiado.