Subir de novo deves/ o rio do teu sangue. Assim começa um dos poemas de Ancestral, livro que revela o ato de nascença da escrita de Goliarda Sapienza (1924-1996), cuja prosa não existiria sem a poesia. Composto na década de 1950, o livro foi publicado na Itália apenas em 2013 e encontra, nesta edição, a sua primeira tradução para outra língua. Mulher versátil e curiosa, profundamente envolvida na arte, como também nas questões políticas e sociais, Sapienza sempre buscou, em seus gestos e em sua escrita, um contato direto com a realidade, alimentada pelo desejo da descoberta, do conhecimento feito de erros e de experiência. Ancestral fala de um passado individual cronologicamente datado — o da autora —, que remete à memória da infância, aos afetos, à paisagem da Sicília, mas, ao mesmo tempo, é o registro de uma atemporalidade coletiva: Sapienza mergulha nas profundezas do verso, escancarando pulsões e conflitos, e se entrega à percepção, sem julgá-la. Este livro ilumina um capítulo ainda pouco explorado da literatura italiana do Novecentos, e, à distância de quase setenta anos de sua composição, não é apenas um texto atual, mas necessário e inovador.