Um retrato íntimo do jovem Jack Kerouac
Jack Kerouac saltou para a fama em 1957, com a publicação do icônico On the Road. Anteriormente, publicara Cidade pequena, cidade grande (1950), seu romance de es-treia. Mas a década de 1940 já fora de gran¬des projetos e intensa produção. Um dos textos então escritos, e que permaneceu inédito até há pouco, é A vida assombrada, um romance de formação que mostra o es¬tudante universitário Peter Martin passan¬do férias na sua pequena cidade natal.
Numa prosa realista, tributária dos grandes nomes da literatura norte-ame-ricana da década de 1930 como Thomas Wolfe, vemos um rapaz em meio às tribu-lações americanas pós-New Deal e às vés¬peras da entrada dos Estados Unidos na Se-gunda Guerra Mundial. Há uma vibração revolucionária no ar. Tendo, de um lado, o idealismo da juventude (seus amigos cogi¬tam largar a faculdade para se alistar), e, do outro, o conservadorismo xenófobo do pai, Joe Martin, Peter tenta entender qual seu lugar nessa sociedade em transformação.
Pelos planos de Kerouac, o romance teria três partes: “Casa” (aqui publicada), “Guerra” e “Mudança”. Ele iniciou a reda¬ção em maio de 1944, terminando “Casa” no verão. As duas últimas partes não che¬garam a ser escritas, e Kerouac julgava ter perdido o manuscrito num táxi (foi encon¬trado décadas depois no armário do seu dormitório da Universidade de Columbia).
O presente volume traz, juntamente com o texto ficcional (que se lê como uma obra integral), esboços, trechos de cartas e ou¬tros documentos nos quais o autor faz re¬ferências à escrita de A vida assombrada, e também correspondência entre ele e seu pai, Leo Kerouac – cuja personalidade serviu de inspiração para o intolerante Joe Martin –, além de outros materiais sobre sua vida e o início de sua carreira.
Os fãs encontrarão aqui um Kerouac meticuloso, comprometido com um projeto artístico pessoal, muito diferente do beatnik hedonista evocado pelo imaginário da “prosa espontânea”. Eis um retrato da formação literária do autor, mas também uma home¬nagem a seus amigos tombados em combate e à própria juventude – um dos grandes temas kerouaquianos.