Há 50 anos morria o mestre que expôs os demônios da chamada Cidade dos Anjos. É, foi com Raymond Chandler que as histórias de detetives ganharam outras cenas de crime que não bibliotecas, camarotes de navios, vagões de trem ou bucólicos prados ingleses. Nascia o romance noir! Este volume que o leitor segura agora em suas mãos dá cinco ótimas pistas para se descobrir por que ele é – meio século após sua morte – um dos grandes mestres que transformaram o gênero policial em matriz para a melhor literatura que se fez a partir dos anos 1940.Duas dessas pistas são da excepcional safra de 1939 do escritor – da qual também saiu o seu primeiro romance. Para quem conhece Chandler principalmente pelos livros protagonizados pelo sentimental e durão Philip Marlowe, “A porta de bronze”, que dá título à antologia e teve sua última publicação no Brasil há quase quatro décadas, será uma surpresa: é uma história de terror deliciosa que lembra as de Edgard Allan Poe. “Vou esperar” é exemplar da mistura de ternura, solidão e desilusão que move os personagens do escritor americano, quase sempre perdedores na cidade grande. Neste panorama em cinco atos sobre a obra de Chandler, há espaço para um clássico: “A dama do lago”, de 1943. Nesta coletânea, Marlowe só dá as caras uma vez, mas entra “matando”. Depois de resistir anos a ressuscitar o seu principal personagem, Chandler acaba cedendo em 1958, quando escreve “O lápis” (título que só viria em 1965; originalmente a história surgiria com o nome de “Marlowe takes on the Syndicate”). O conto está repleto de metáforas que só ficam bem na voz de Marlowe, como tipo “O álcool é como o amor. O primeiro beijo é mágico, o segundo, sugestivo, o terceiro já é rotina. Depois disso você tira a roupa da moça". Para o fim ficou o inédito entre nós “Um verão inglês”. História de amor com direito a uma insaciável dominatrix, castelo decadente e, é claro, às clássicas alfinetadas de Chandler nos súditos de Sua Majestade. O brilhante conto, publicado postumamente em 1976, é considerado por Chandler um divisor de águas em sua (extensa) literatura.