Neste volume, Paulo Franchetti narra sua aventura solitária, sobre uma motocicleta, até o Atacama. Mas este não é apenas um livro de viagem, embora se estruture sobre um trajeto de 11.000 km. É sobretudo uma obra literária de escopo mais amplo, na qual os vales acolhedores e a solidão da cordilheira e do deserto convocam lembranças, despertam outras histórias que se vão entrelaçando com a paisagem e os imprevistos do caminho, e por fim renovam a conversa interior com os vivos e os mortos. No primeiro capítulo, o leitor se vê no meio do percurso, num dos momentos mais tensos. Mas em seguida, ao virar a página, está longe dali, num centro cirúrgico, acompanhando uma operação. Depois retorna à estrada, para logo a seguir ser puxado outra vez para outro tempo e outro espaço. Embora o livro prossiga sinuosamente, como uma das muitas passagens de montanha que a motocicleta vai percorrendo, a maestria com que se constrói a intersecção dos vários tempos e lugares permite que a paisagem física e humana possa ser apresentada com clareza. Assim, passado e presente se combinam em contida emotividade, sem que nunca o leitor se sinta perdido. Pelo contrário, é conduzido com segurança ao longo do livro, ora viajando na garupa da moto, ora contemplando o percurso do alto de mirantes que permitem vislumbres do conjunto. Para os amantes do motociclismo e para os amantes da boa literatura, este livro é, pois, um lugar de encontro.
Capa: Gustavo Piqueira (Casa Rex)