Com A idolatria poética ou a febre de imagens, Sérgio Medeiros desenvolve ainda mais um mundo literário já vasto e multiforme, um mundo que nos desvenda a natureza em constante metamorfose do presente imediato.
Mais uma vez Medeiros está frenético na sua inventividade, radicalmente lúdico, inquestionavelmente singular, enquanto invoca com finura, insistência e muitas vezes divertida malícia um panteão expansivo de — ou melhor, erguendo um totem a — ancestrais, formas e seres generativos.
Conjurando este mundo a existir está um elenco de animistas, românticos, absurdistas e xamãs, cada um sozinho e em diálogo oblíquo para pronunciar com orgulho, e alguma melancolia, uma prática e uma perspectiva idólatras que compartilham: a criação de objetos que são poemas-imagens oriundos de um olhar afiado e preciso lançado sobre o ambiente presente e as fronteiras porosas entre ser e arte, entre entidades de ordens diferentes, entre palavra e mundo.
Enquanto invoca livremente um registro de formas expressivas — do manifesto vanguardista, do haiku e da poesia nonsense até a arte da performance e da instalação, da música indeterminada ocidental a cantos indígenas cosmogônicos — , Medeiros adota aqui a forma estruturadora do “descrito”, o poema em prosa densamente descritivo, dêitico, de comprimento variável, apresentado nas suas coleções anteriores, Alongamento (2004) e Sexo Vegetal (2009, onde o descrito é chamado de “décor”).
Os descritos novamente registram um olhar geralmente desapegado, impessoal sobre o meio ambiente e seus variados elementos de composição, inventariando e dramatizando a presença efêmera de seres de diversas ordens e suas interações: humano e não-humano, animal, vegetal, mineral, o abjeto e o majestoso.
Aqui, porém, os descritos ainda mais revelam, por uma cadeia de inter-relações e metáforas, como essas entidades estão amarradas em uma rede densa de existência compartilhada, e são identificadas com (e posicionadas como) elementos constitutivos de um totem verbal, um texto ritualizado para o reencantamento do mundo.
Malcolm McNee
Smith College, Massachusetts