Um pai autoritário, uma mãe submissa e seus quatro filhos. Discretas perversidades, diferenças suprimidas e frustrações disfarçadas nas relações entre eles são os ingredientes desta história, aparentemente serena, que é a contundente radiografia de uma família – suas feridas adormecidas, vulnerabilidades, contradições e fraquezas.
Em capítulos breves e quase independentes, alternando presente e passado, Sara Mesa compõe o mosaico desse núcleo familiar cheio de segredos e zonas de sombra. E mostra uma família que se revela aos poucos, em suas brechas, códigos clandestinos, fingimentos e mentiras, por meio de seus personagens que alternam autoritarismo, obediência, vergonha e silêncio. Retornando ao espaço literário já característico de sua prosa, a autora se alimenta das ambiguidades e estranhezas humanas, provocando o leitor e suas expectativas morais e afetivas.
Aqui, constrói-se de modo singular a infelicidade que tão bem sabem criar certas famílias e não se deixa passar despercebido o apuro semântico que evidencia: em A família, a linguagem opera como ferramenta de controle. “É assim que eu gosto, Martina, que você fale corretamente”, diz Pai a uma de suas filhas a certa altura do romance.
Enquanto passamos por entre os cômodos desta casa, fica difícil resistir a olhar por debaixo do tapete, através da fenda aberta da porta, em direção ao que não parece conveniente. Ao escutar com atenção, uma pergunta ecoa: o que você faz quando ninguém está te olhando?