Durante a Segunda Guerra Mundial, três japonesas abastadas divertiram-se como quiseram, enquanto seus maridos deviam ter assuntos masculinos, econômicos e bélicos em que pensar. Passado o conflito, elas, agora divorciadas, donas de si e de negócios próprios, e ainda em busca de diversão, encontram-se com frequência para comentar suas aventuras, sobretudo as amorosas.
Através de uma história aparentemente banal, da relação entre Taeko, uma dessas mulheres, e Senkichi, um rapaz que se muda para Tóquio e tenta melhorar de vida, Yukio Mishima produz com A escola da carne um romance que reflete a “confusão do pós-guerra”.
Taeko é estilista, elegante e bem-sucedida; já Senkichi vive na grosseria, embora saiba apresentar-se também com gentileza, bom arrivista que é. Ambos têm em comum o contato com o mundo ocidental: ela pela high society, ele por receber clientes estrangeiros no bar gay em que trabalha. Senkichi, no entanto, jamais quis aprender inglês, como era comum a seus colegas, porque “era nacionalista nesse sentido e [...] mostrava arrogância e mantinha-se calado”.
Nessa relação inédita entre pessoas de diferentes classes sociais dentro de uma nação atordoada pela guerra e conflituosa quanto a que direção tomar, estão borradas e movediças as estipulações de quem ensina e quem aprende.
Mishima, que tinha posições políticas tradicionalistas, controversas e radicais, em A escola da carne incorpora posições contrárias às suas, concedendo entrementes a seu narrador o capricho de poder descrever com pompa e extravagância a indumentária que os personagens da narrativa vestem. Compõe assim, esteticamente, por meio da ficção, um embate de éticas que reproduz uma sociedade japonesa em transformação e aprendizado.
A escola da carne, publicado no Japão conservador do início da década de 1960, é ainda arrojado o bastante para fazer quase que um culto do corpo, principalmente o masculino, e expor sem hesitação questões da homo e da transexualidade, muito à frente de seu tempo.