Günter Grass expõe as feridas e lembranças de uma família, em uma narrativa quase experimental, sob a forma de transcrições de conversas entre oito irmãos, que, a pedido do pai idoso, começam a gravar o que dizem a respeito da infância, seus fracassos, ressentimentos e o que mais emergir do passado. Nesse processo de resgate e acerto de contas, sempre em meio a fartas refeições, os irmãos se dão conta da presença constante de Marie, amiga e confidente do pai, um escritor premiado sempre envolvido com seu último livro. Marie, esteio firme diante de qualquer mudança, separação, novo casamento ou reviravolta na vida dos pais, tirava fotos com uma câmera analógica, a Agfa, fabricada em formato de caixa. Uma máquina que sobreviveu à Segunda Guerra e aos incêndios de Berlim e que, de algum modo, avança e retrocede no tempo. As fotografias de Marie eram especiais, capturavam imagens que ainda não existiam. Não se tratava de prever o futuro, mas de projetar sonhos, consequências de atos impensados ou os mais profundos desejos: uma caixa de memórias e do porvir. Marie é a própria imaginação e tem a habilidade de evocar imagens e costurá-las em histórias, como uma musa do patriarca, que questiona frequentemente a importância da sua escrita. Visto pelas reminiscências de seus descendentes, o pai vive uma existência paralela, sempre trabalhando no sótão enquanto a família constrói uma rotina ao redor dele e as crianças se sentem supérfluas e solitárias. Esses sentimentos vêm à tona e transbordam em relatos tão humanos quanto familiares. Com um texto cortante e preciso, o premiado e polêmico autor conjuga extremo domínio da linguagem e de sua arte, mantendo o leitor entregue à leitura, inteiro diante dos fragmentos dos personagens deste livro. Uma leitura memorável.