Um bom livro de poemas, na maioria das vezes, vem carregado de expectativas. Dependendo do leitor, quase sempre se espera encontrar criações que nos levem à palavra em seu aspecto mais criativo, no qual percebamos o quanto ela se apresenta como instrumento para a construção poética e sirva de ponte para a “outra margem”.
Já dizia Octávio Paz, em o Arco e a Lira, que “na criação poética não há vitória sobre a matéria ou sobre os instrumentos, como quer a vã estética, e sim uma libertação da matéria [..], sem perder seus valores primários, seu peso original, são também pontes que nos levam a outra margem. [...] Ser ambivalente, a palavra poética é plenamente o que é – ritmo, cor, significado – e, também, é outra coisa: imagem.” Assim é “Canções no chão do tempo...”, de Arcângelo, um elo que nos leva para os sentidos criativo e poético da palavra. Em seus poemas encontramos um trabalho original valoroso de artífice com a forma, o ritmo e as imagens. Há um cuidado minucioso com a técnica concretista, como em “A palavra mundo”, “A palavra”, “A pedra e a pena” “Aquário” e “Chuva”, com as construções de haicais, em “Borboleta”, “Vaga luz”, “Acácias” e com a profundidade das imagens, em “Além daqui”, “Poema trabalho”, “Ausência”, “Tempo”, por exemplo, entre tantos outros aspectos por ele tão bem explorados.
Com extrema riqueza de imagens e significados, “Canções no chão do tempo...” é um convite ao deleite do espaço poético, ao refletir sobre a existência, a dor e a morte, como em “Ei, mãe”, em que o amor é forma de suportar a dor, a morte, ressignificar o presente e perpetuar a hereditariedade materna do aconchego, do abraço e do direcionamento. Como também em “Canto à dor”, em que o amor é visto como refrigério da alma (“Beijo”, “Diálogo”), muitas vezes perfilado pela angústia da efemeridade do tempo/vida (“Roteiro para cena inacabada”, “Longe”, “Balada para a última noite”). Destarte, os poemas de Arcângelo se voltam para a significação da matéria, abrindo espaço para uma arqueologia do afeto, dos sentidos, da forma e do ritmo. Uma leitura inquestionavelmente deliciosa e imperdível.
Naiva Batista Ferreira
Profa. Msc. em Estudos Literários (UFAM).
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